domingo, 28 de setembro de 2014

boychild: Homem x alien, natureza x tecnologia


Um dos desfiles mais comentados da Semana de Moda de Nova York foi o da Hood by Air. A label foi premiada pelo grupo LVMH e tem sido muito bem recebida como uma marca carregada de espírito jovem. Além do streetwear supercool, outra que coisa também chamou atenção durante o desfile foi o casting. A passarela da marca foi invadida por vários modelos que até então não eram modelos, todos fakes, o que não é nenhuma novidade sobre a grife.
E de todas as figuras que desfilaram, a que mais causou alvoroço foi a (o) boychild: uma pessoa musculosa e imponente, na verdade uma menina que parece um menino e que já havia desfilado para a HBA em 2013. Sua foto do catwalk foi compartilhada por diversos fashionistas como Nicola Formichetti e mídia como “V Magazine”, Dazed & Confused” e Style.com, que postou: “todos os telefones fotografando boychild”.

Mas que diabos boychild tem que causa tanto fascínio? 


Estudos mostram que amantes, muitas vezes inconscientemente, sincronizam seus batimentos cardíacos e respiração quando estão em uma mesma sala, sem perceber. Ao escutar o choro de um bebê, no seio de uma mãe, muitas vezes começa a extrair o leite, sem que seja percebido. Quantas mais dessas conexões físicas e emocionais invisíveis entre nossos corpos podem permanecer desconhecidas? A artista visionária, californiana, performer, conhecida por suas legiões de seguidores no Instagram como Boychild (digitado corretamente com todas as letras minúsculas) começou uma viagem para explorar e expor essas negociações interpessoais sutis, mas bem poderosas quando experimentadas com estranhos. Boychild já se apresentou em casas noturnas e locais de música em toda a Europa e EUA, criando espaços sagrados e igrejas ultra-modernas. Despojado de estruturas opressivas da religião, a espiritualidade ganha uma nova forma otimista por meios simples. A ferramenta de Boychild é uma mente totalmente aberta por meio de um corpo contorcido. Com os dedos invisíveis que atingem profundamente o interior dos corpos na platéia, em confronto com os bloqueios, estes são removidos e os nossos órgãos emocionais são reconfigurados a fluir livremente. Se o universo inteiro é uma vasta rede interligada de amor, então dentro desta paisagem galáctica, Boychild é a criação de montanhas e desfiladeiros profundos. 


Outro fator que gera esse fascínio é a questão do gênero e o ar misterioso em torno dele(a). Natural da Califórnia, apareceu há menos de dois anos na cena drag de São Francisco, mas a personagem "boychild" surgiu de um projeto de um dançarino que convidava seus amigos a criarem um personagem para eles. “Eu apenas sabia que queria que fosse uma coisa meio clown, mas também um curandeiro, então comecei a pesquisar muito sobre xamãs e feiticeiras”, contou à revista “i-D”. “O que eu faço é uma versão mais articulada do que sempre fiz a vida toda. Sempre fui performática.”


Pessoas que já viram seus shows relatam um tipo de exorcismo, um culto, no mínimo algo bem selvagem que pode durar até três horas. Quando faz alguma performance, entra em outro estado e torna-se uma imagem forte, crua e sem gênero. Com a mente totalmente aberta e livre de preconceitos, ela alcança seu público de forma catártica. “Quando estou em ação sinto que saio de mim mesma. É a forma que sei me expressar, usando meu corpo como linguagem de um jeito que não sei fazer com palavras.” Um show de boychild, normalmente em casas noturnas, pode ser simplesmente uma dublagem de uma música, mas é impressionante notar como sua respiração forte traz tensão à cena e empolga o público.


Ela também mexe muito com os opostos. Parece pequena e delicada sem montação, mas é só ver a foto da passarela da Hood By Air para logo mudar de opinião. Seu rosto delicado é transformado por uma maquiagem pesada, que encontra outra contradição: uma tatuagem enorme no pescoço com a palavra BLISS. Uma palavra feliz desenhada de forma crua. Por conta disso, sua performance é muitas vezes chamada de sombria, mas boychild diz que seu trabalho tem a ver com o amor. “A luz também não existiria se não houvesse a escuridão. Não quero fazer um trabalho dark, mas com o reflexo da luz e do êxtase sempre vêm a escuridão e a tristeza.”

Shayne Oliver, o estilista por trás da Hood by Air, define a performer desta forma: “Ela representa um novo gênero de beleza. Homem x alien, natureza x tecnologia, a beleza e a sexualidade sem remorso da mulher x a segurança do homem. Tudo isso é boychild”, diz.

Com quase 40 mil seguidores no Instagram, rede em que é mais ativa, boychild é o novo ícone da cultura jovem underground e está totalmente integrado à sua dona, que não vê mais distância entre pessoa e personagem, tanto que não se acha menções ao seu nome verdadeiro ou o que ela é quando não é boychild. “Na verdade ainda estou descobrindo muitas coisas. Ele é parte de mim, é como uma entidade”, disse ao site Bullet. “Os humanos são cyborgs hoje. Temos muito mais avatars do que experiências de vida real. A conexão que nós temos hoje com a tecnologia e a forma como isso me afeta, é aí de onde vem o boychild e eu sou tudo isso”, definiu para a Dazed Digital.

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